O frio na barriga que dá antes da viagem é imenso. Parece maior do
que todos os outros que você já sentiu na vida. Sério. Pelo menos o meu
foi assim, já que também foi a minha primeira viagem internacional.
Passaporte na mão, mochilão comprado, guia, mil papéis e cartas de
recomendação, anotações de todas as dicas, vouchers, bolsinha interna
para guardar o dinheiro, malas e uma roupa quente e confortável. Ainda
assim, dor de barriga forte, coração a mil. Foi assim que embarquei.
Meu
inglês, a esta altura, já dava para me virar. Havíamos treinado
bastante as frases e diálogos de turismo e viagem com os professores.
Mas com tanta coisa acontecendo, tantas novidades que confesso que esta
era a menor de todas as preocupações: acertar a escala, passar pela
alfândega, pegar o trem certo em Heathrow, chegar na casa sozinha,
gostar da casa onde me hospedaria, gostar da landlady, acertar o caminho
da escola... Medo (eu tinha 21 anos em 1997).
O voo
foi tranquilo, Londres via Paris pela Air France. Muito bom o serviço de
bordo, mas tudo o que eu pensava era em passar pela alfândega. Que
medo. O que eu iria falar? O que iriam perguntar? E se... E se... E
se... (mentalmente eu pensava em todas as hipóteses e formulava
respostas). E não é que foi tranquilo? Estávamos com tudo certinho,
escola, estadia, dinheiro, seguro e vínculos para nos fazer voltar (além
da passagem de volta, claro). Entramos!
Pegar o trem
foi fácil e fomos tomadas por uma determinação e ansiedade, que quando
dei por mim estava sozinha, em Stamford Brook, perguntando como chegar
na minha casa. Toquei a campainha e lá estava eu, num apartamento de uma
senhora inglesa, tomando uma xícara de chá. Sem nenhum celular.
No
dia seguinte nos encontramos e fomos para a escola, em Picadilly Circus
(a International House era de frente para o Green Park). A escola era
excelente, muitos alunos internacionais de todos os lugares. No primeiro
dia fizemos uma prova. Eu que tinha feito um ano de inglês intensivo
fui classificada no Late Intermediate B (um grau antes do avançado).
Como aulas complementares, na parte da tarde, peguei uma voltada para
'phrasal verbs' e outra em 'listening and speaking'. A estrutura era
excelente, professores ótimos, muitas atividades sociais e alunos muito
legais. Fizemos amizades de todos os tipos e sempre tinha um estrangeiro
junto, nos obrigando a falar inglês.
Todos
os dias depois da escola, turistávamos pelos principais pontos de
Londres (e alguns mais alternativos). Compramos o passe de metrô para 1
mês e aproveitamos!
Nos finais de semana fizemos
viagens curtas (Cambridge, Bath, Salisbury, Stonehenge, Bornemouth) e um
final de semana prolongado em Edimburgh (ponto alto da viagem).
A
vida em casa de família não é fácil. Temos que adaptar muito a nossa
cultura à cultura do país e da pessoa, especificamente, em cuja casa
estamos morando. Os banhos se tornam infinitamente mais curtos, lavar o
cabelo pode ser uma tarefa árdua e cheia de transtornos, as refeições
também são bastante complicadas* (e engraçadas, agora que o tempo
passou). Mas me tornei muito mais madura, flexível, e valorizei muito
mais o que tinha em casa.
(*Na época havia um surto de
vaca louca, então inventei que não comia carne vermelha - o que já
eliminava as carnes de caça, que detesto -, e como detesto cogumelos,
também inventei que era alérgica a eles quando declinei uma refeição que
só tinha isso para comer. Mas no geral, tirando os gatos que caminhavam
sobre a pia da cozinha e a mesa de jantar, logo depois de darem um rolê
pelas ruas, até que eu fui boazinha e comi bem. DICA: sempre tenha
chocolates, frutas e bolachinhas para estes momentos.)
As
amizades são ótimas! Nos escrevemos (de novo: naquela época acho que só
eu tinha e-mail) e saíamos bastante. A turma era animada e divertida.
Trocávamos muitas dicas e informações.
A escola valeu
muito a pena. Foi excelente. Até hoje me lembro de algumas expressões e
aulas de lá. Saí muito mais segura, com uma pronúncia muito melhor,
muito mais entendimento e com um vocabulário muito mais rico de lá. Não
me arrependo nem um segundo. A escola nos entregou cada centavo
investido.
O fato é: ao fazer um intercâmbio, você
nunca mais será a mesma pessoa. Você irá mudar - e muito - mas de uma
maneira muito positiva. Sua mente irá se abrir e expandir
exponencialmente. Isso sem contar todo o aprendizado linguístico e
cultural. Na minha opinião é uma das melhores coisas que podem acontecer
na vida de qualquer pessoa. Se eu pudesse voltar no tempo, faria tudo
de novo. Mas ao invés de ficar somente um mês, teria ficado um ano.
Talvez, até, nunca mais voltasse (e resolvesse terminar a faculdade por
lá). Espero, mesmo, que todas as pessoas no mundo em algum momento
possam passar por isso tudo, viver o que vivi e crescer o que cresci.
O
mochilão é um caso a parte. Vale contar em um post exclusivo, mas foi
DI-VI-NO! Continue seguindo porque tem mais no próximo post.